“É 8 ou 80 - 80 anos de Lélia Gonzalez: Mulher Negra”
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(do texto de Ana Maria Felippe*)
Lélia Gonzalez “de Almeida”, nascida em Belo Horizonte-MG, em 1º de fevereiro de 1935. Quando criança, sua família instalou-se no Rio, na favela do Pinto, bairro do Leblon ao lado do Clube de Regatas do Flamengo, onde jogava (e depois foi técnico) seu irmão Jaime de Almeida Logo depois, a família mudou-se para o subúrbio para uma casa em Ricardo de Albuquerque. Pela localização da residência, se percebe que Lélia viajou muito no trem suburbano da Central do Brasil, junto com o “povão” (como dizia), principalmente quando estudou no Colégio Estadual Orsina da Fonseca (ao lado do terminal da Central do Brasil, no centro da cidade) e no Colégio Pedro II (na Av. Marechal Floriano, também próximo a Central do Brasil).
Lélia Gonzalez “de Almeida”, nascida em Belo Horizonte-MG, em 1º de fevereiro de 1935. Quando criança, sua família instalou-se no Rio, na favela do Pinto, bairro do Leblon ao lado do Clube de Regatas do Flamengo, onde jogava (e depois foi técnico) seu irmão Jaime de Almeida Logo depois, a família mudou-se para o subúrbio para uma casa em Ricardo de Albuquerque. Pela localização da residência, se percebe que Lélia viajou muito no trem suburbano da Central do Brasil, junto com o “povão” (como dizia), principalmente quando estudou no Colégio Estadual Orsina da Fonseca (ao lado do terminal da Central do Brasil, no centro da cidade) e no Colégio Pedro II (na Av. Marechal Floriano, também próximo a Central do Brasil).
Lélia era a penúltima de 18 irmãos/ãs; filha de pai
negro (Acácio Joaquim de Almeida), ferroviário, e mãe índia (Urcinda Seraphina
de Almeida). Lélia cuidava da mãe, já residindo na Tijuca, até o final dos anos
1960, quando Dona Urcinda faleceu. Casou-se aos 28 anos, para assumir
definitivamente o sobrenome Gonzalez.
Nas escolas e nas faculdades (graduou-se em
História/Geografia e Filosofia) era reconhecida pela dedicação e inteligência.
O catedrático Tarcísio Padilha logo percebeu a capacidade daquela aluna negra e
convidou-a para ser sua assistente no curso de Filosofia na Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e mais tarde na Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ).
Como educadora, Lélia lecionou em muitas escolas de
nível médio, faculdades e universidades. Foi professora no Instituto de
Educação, no Colégio de Aplicação (UERJ), na rede estadual de ensino tendo
sido, também professora convidada no Centro de Estudos de Pessoal do
Exército Brasileiro por alguns anos.
No final dos anos 1960 e início de 1970, Lélia era
uma assumida mulher negra: “Essa questão do branqueamento bateu forte em mim e
eu sei que bate muito forte em muitos negros também.
Antes de mostrar na escrita, Lélia mostrava na
palavra, na oralidade.
Na verdade (para usar uma expressão corrente em sua
linguagem), sua proposta sempre foi falada. Quando compreendeu teoricamente a
questão da opressão e da exclusão, Lélia continuou fazendo exatamente a mesma
trajetória teórica e intelectual que seguia anteriormente, mas, nesse momento,
ela se dedica à leitura dos pensadores negros da história do povo negro das
rainhas negras, lendo e refletindo noite adentro. A inteligência e a
desenvoltura teórica – que continuou exercendo institucionalmente como professora na Pontifícia Universidade
Católica, até o final da vida, tendo sido eleita Chefe do Departamento de
Sociologia um mês antes – foi posta a
serviço da realidade e da necessidade do povo negro e, em especial das mulheres negras.
Lélia passa a ser a grande referência teórica do
Movimento Negro (principalmente do novo MN, nos anos 1970, que ajudou a
fundar). É a primeira intelectual negra no País. É nessa condição que está
citada no Dicionário “Mulheres do Brasil”, na Enciclopédia Encarta Africana e em
“Mulheres Negras do Brasil. É nessa condição que tornou-se referência como
matrona para grupos de mulheres negras, bibliotecas, salas de leitura, prêmios,
escolas, jornadas, seminários, dentre outros, conforme consta na indicação das
homenagens em seu site oficial www.leliagonzalez.org.br.
Lélia Gonzalez teve uma trajetória permanente e
irrestrita na direção do conhecimento. Lia elaborava e falava. (Lia e falava
nas línguas espanhola, francesa e inglesa). sua riquíssima bagagem teórica
(Filosofia, História, Teoria da Comunicação, Proxemia, Psicologia e
Psicanálise, Antropologia, Sociologia, Teoria da Arte e Estética, Teoria dos
Objetos, Política, Hermenêutica) para fazer com que o/a interlocutor/a
compreendesse a questão “crucial Lélia não tinha paciência para a elaboração
escrita nos moldes acadêmicos!
“No meu caso, fiz um tipo de escolha que foi a
militância de rua, participando de organizações negras, de seminários. Na
medida em que nós, os intelectuais negros orgânicos somos tão poucos, realmente
existe um grande leque de atividades para poder responder às exigências que nos
são colocadas.”
O universo de conhecimento que Lélia trazia forçosamente
determinado por ela para a transformação do real, muito mais tem a ver com a
oralidade africana de Griot, do que com a academia ocidental. Foi na defesa
desse povo que, dentre outras atividades, participou de seminários nacionais e
internacionais que duraram pelo menos de 1975 a 1989. A necessidade de
implementação e transformação foi reconhecida pela atriz e política Ruth
Escobar (presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher – CNDM do qual
Lélia era membro) que a indicou publicamente em editorial do jornal Folha de
São Paulo para ocupar a vaga do Ministério da Cultura em 1985.
Entre traduções de livros de filosofia (Editora
Freitas Bastos), textos de palestras e “Lugar de Negro” Lélia deixou “Festas
Populares no Brasil”, editora Index: 1987, premiado na Feira Internacional do
Livro, de Leipzig, Alemanha na categoria “Os mais belos livros do mundo”, além
de panfletos político-sociais partidários engajados de muita reflexão. Seus
escritos simultaneamente permeados pelos cenários da ditadura militar e da
emergência dos movimentos sociais são reveladores de sua capacidade intelectual
e identificam sua constante preocupação em articular as lutas mais amplas da
sociedade com a demanda específica dos negros, das mulheres e dos homossexuais.
A preocupação com os excluídos vai nortear suas campanhas para cargos públicos,
em 1982 (PT, 1ª suplente como Deputada Federal) e em 1986 (PDT, suplente de
Deputada Estadual), tendo como principais referências as liberdades individuais
e as transformações sociais.
Na militância Lélia participou da criação do
Instituto de Pesquisas das Culturas Negras (IPCN-RJ), do Movimento Negro
Unificado (MNU), em nível nacional do Nzinga Coletivo de Mulheres Negras-RJ, do
Olodum-BA, dentre outros. Depois de sua morte o Movimento Negro tem montado o
Quilombo Lélia Gonzalez e Milton Santos nos vários encontros do Fórum Social
Mundial. São muitas as referências que continuam sendo feitas a Lélia Gonzalez,
no subúrbio de Olaria (no Rio) o governo do estado deu a uma escola de nível
médio, seu nome.
Construção da identidade:
O importante é procurar estar atento aos processos que estão ocorrendo dentro dessa sociedade não só em relação ao negro ou em relação à mulher. Você tem que estar atento a esse processo global e atuar no interior dele para poder efetivamente desenvolver estratégias de luta. ...só na prática é que se vai percebendo e construindo a identidade, porque o que está colocado em questão, também é justamente uma identidade a ser construída, reconstruída e desconstruída num processo dialético realmente muito rico.
O aparecimento do Movimento de Mulheres Negras:
Em, 1975, quando as feministas ocidentais se reuniam na Associação Brasileira de Imprensa para comemorar o Ano Internacional da Mulher elas ali compareceram apresentando um documento onde caracterizavam a situação de opressão da mulher negra. Todavia, dados os caminhos seguidos por diferentes tendências que se constituíram a partir do “Grupão”, esse grupo pioneiro acabou por se desfazer e suas componentes continuaram a atuar então nas diferentes organizações que se criaram.
Em, 1975, quando as feministas ocidentais se reuniam na Associação Brasileira de Imprensa para comemorar o Ano Internacional da Mulher elas ali compareceram apresentando um documento onde caracterizavam a situação de opressão da mulher negra. Todavia, dados os caminhos seguidos por diferentes tendências que se constituíram a partir do “Grupão”, esse grupo pioneiro acabou por se desfazer e suas componentes continuaram a atuar então nas diferentes organizações que se criaram.
Os anos seguintes testemunharam a criação de grupos
de mulheres negras (Aqualtune, 1979; Luiza Mahin, 1980; Grupo de Mulheres Negras
do Rio de Janeiro, 1982), que de um modo ou outro, foram reabsorvidos pelo
Movimento Negro. Todas nós, sem jamais termos nos distanciados do MN,
continuamos nosso trabalho de militantes no interior das organizações mistas a
que pertencíamos (André Rebouças, IPCN, SINBA, MNU etc.), sem no entanto, desistir da discussão de nossas
questões específicas junto aos nossos companheiros que muitas vezes, tentavam
nos excluir do nível das decisões delegando-nos tarefas mais ”femininas”.
Desnecessário dizer que o MN não deixava (e nem deixou ainda) de reproduzir
certas práticas originárias de ideologia dominante, sobretudo no que diz
respeito ao sexismo, como já dissemos. Todavia, como nós, mulheres e homens
negros, nos conhecemos muito bem, nossas relações apesar de todos os “pegas”,
desenvolvem-se num plano mais igualitário cujas raízes como dissemos acima,
provêm de um mesmo solo, por aí se explica a competição de muitos militantes
com suas companheiras de luta. Mas, por outro lado, por aí também se explica o
espaço que temos no interior do MN.
Por toda essa contribuição que deu ao Movimento
Negro, de Mulheres e Feminista, que saudamos nessa data nossa guerreira por
seus 80 anos.
Axé
Nizinga Axé.
Por Gilson Nunes
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